O Senado aprovou, nesta terça-feira (24/10), o projeto que atualiza a Lei de Cotas para o ensino federal. Em caso de sanção presidencial, todos os candidatos passarão por ampla concorrência, reservando cotas apenas aos contemplados que não obtiverem nota suficiente para as vagas gerais. O texto traz como novidades a inclusão de quilombolas e a redução da renda familiar máxima de 1,5 para um salário mínimo por pessoa.
Com a relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS), o projeto foi aprovado em votação simbólica e visa a reformulação da Lei 12.711, de 2012, que instituiu o sistema de cotas de 50% das vagas em universidades e institutos federais para estudantes das escolas públicas. O novo texto já havia sido validado na Câmara dos Deputados, em agosto, e nas comissões de Direitos Humanos (CDH) e Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
“Estendemos a mão aos mais necessitados, buscamos justiça e criamos as condições para que todos cresçam. Não é medida perpétua, é transitória. Sonho com o dia em que eu possa dizer que não precisamos mais de política de cotas.”, afirmou Paim, em discurso no plenário.
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) manifestou apoio ao PL 5384/2020, reiterando que a aprovação garantirá que as mudanças sejam implementadas já no primeiro semestre de 2024. Na avaliação do órgão, as atualizações “refletem o aperfeiçoamento proposto por especialistas do mundo acadêmico, movimento social negro, órgãos de controle, Defensoria Pública da União e, principalmente, o Tribunal de Contas da União. Em muitos aspectos, as propostas atendem ainda a demandas apresentadas por parlamentares na forma de projetos de lei.”
Na sessão, a maioria dos senadores votou pela rejeição das emendas que buscavam, entre outros pontos, eliminar a cota por critérios raciais e de escola pública, deixando a renda familiar como único requisito.
Líder da oposição, o senador Rogério Marinho (PL-RN) criticou o que classificou como caráter “permanente” da legislação. “Na hora em que estamos renovando novamente uma política de cotas, nós estamos admitindo que, como país, somos incapazes de resolver o problema crucial da nossa nação, que é a qualidade da educação e a igualdade de oportunidades”, argumentou no plenário.
Também presente, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) defendeu que o debate em torno das cotas deve servir para unir a sociedade. “A cota é uma necessidade para um tempo no Brasil, ela não é perene. A aprovação do projeto é reparar e dar uma resposta à população que em sua maioria é composta de negros e pardos”, evidenciou.
No atual sistema de cotas, dentro do critério de 50% das vagas para oriundos do ensino público, metade das vagas são preenchidas por negros, pardos, indígenas, pessoas com deficiência (PcD) e de baixa renda.
A partir do novo texto, o processo seletivo observará a proporção de pessoas que se encaixam nas cotas raciais por unidade da Federação, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em caso de sanção, os quilombolas também serão incluídos no sistema.
A maior novidade é que todos os candidatos passarão pela ampla concorrência. Caso a aprovação não venha por meio das vagas gerais, os estudantes dentro dos critérios poderão concorrer às vagas das cotas.
A questão da remuneração é outro ponto que será modificado. O projeto prevê a redução da renda familiar máxima de 1,5 para um salário mínimo por pessoa, que hoje é de R$ 1.320.
Ainda pelo texto aprovado pelo Senado, os cotistas terão prioridade para receber bolsa de permanência ou outro tipo de auxílio estudantil. As instituições federais também deverão promover ações afirmativas de inclusão em programas de pós-graduação.
A legislação atual previa a atualização da política após dez anos, o que deveria ter ocorrido em 2022. Com o novo texto, a política de cotas passará por uma avaliação no período de uma década, e não mais por uma revisão.
Na avaliação do professor de sociologia e ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Luiz Augusto Campos, a reformulação da Lei de Cotas corrige distorções, classificando como positiva a alteração que estabelece que todos os candidatos passem pela ampla concorrência.
“Isso faz que a cota funcione como piso, não como teto. Em alguns cursos e universidades, você já tinha uma quantidade de negros acima da cota. Nesses casos, havia uma diminuição e a cota representava um retrocesso”, esclareceu o especialista, que também é coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA).
Nelson Fernando Inocêncio é professor de Artes Visuais da Universidade de Brasília, uma das pioneiras da adoção de cotas raciais no país, e membro do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da UnB. Na avaliação dele, o projeto perdeu a oportunidade de efetivar um sistema seletivo que congregasse a autodeclaração — atual sistema — com bancas de heteroidentificação, evitando fraudes.
Mesmo assim, Nelson destaca como satisfatório o fato do projeto contemplar políticas de permanência e diminuir a renda máxima per capita, que deve alcançar as pessoas pretas com mais eficácia. "Eu acredito que o Brasil não resolve a questão da sua dívida histórica com a população negra em apenas algumas décadas. Então, é preciso que tenhamos a consciência e a compreensão de que este é um trabalho que se estende por mais anos.”, defendeu.
“Se daqui a 10 anos, 20 anos ou 30 anos chegarmos à conclusão que, em todos os cursos, estudantes estão passando na ampla concorrência, a lei deixou de ser utilizada. Assim, essa provisão interna estabelece, talvez de um modo um pouco complexo, o seu próprio mecanismo de cancelamento. Mas, agora, estamos muito distantes disso”, destacou Campos.
Correio Braziliense
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